sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

História com mulher na janela


Nenhuma nuvem no céu e uma mulher na janela. Em quantos poemas, canções e prosas inspiradas surge essa mulher na janela... Mas essa que observo não é a mesma que evoca a beleza de Vênus e deixa o poeta em prantos quando a deseja sua musa. É uma figura escura na janela de vidro quebrado e cortinas engorduradas do apartamento do primeiro andar do predinho da esquina. Ela definitivamente não é bela e tem em seu olhar astúcias e melancolias de quem sobrevive ao dia-a-dia que não é mole.


Certo dia, essa mulher estava na mesma janela e seus olhos cruzaram com os de um lindo rapaz de cabelos ondulados, camisa xadrez e mochila a tiracolo. "Um universitário!" - ela pensou, e sua imaginação preencheu-se de toda uma juventude em que ela teria estudado, tirado diploma, encontrado um lindo rapaz de cabelos ondulados, camisa xadrez e mochila a tiracolo. Era seu namorado.


Outro dia, da mesma janela, ela viu um homem que pensou ser um executivo. Falava vivamente ao telefone, em tom de voz tão claro que ela conseguia entender tudo o que ele dizia. Via-se que era alguém que levavam a sério. Em sua imaginação transformou-se em executiva e todos concordavam com o que ela dizia e faziam o que ela mandava.


Foram muitos dias na janela e cada dia ela se transformava em outra pessoa, com outros trabalhos, com outras idéias na cabeça, outras emoções e projetos. Foi freira, cachorro, menino com bicicleta, mendigo, perua, jornalista, professora, poeta…


Um dia, ela estava de costas para a janela e falava alto com um homem dentro do apartamento. O povo que olhava da rua garantia: era Agenor que havia voltado depois de anos de sumiço. Do fundo de sua vergonha saía uma voz fininha pedindo perdão. Estava no fundo do poço, era um fiapo humano de dar dó. Por um tempo ela se impôs, era uma mulher grande que ficava ainda maior de costas, e sua voz era firme, grave. Definitiva.


Não sei se foi a lembrança do amor, sua súplica ou sua argumentação. Sei que ela foi amansando e o perdão veio com um abraço apertado que fez o pequeno Agenor sumir da vista de quem acompanhava a cena da rua. Os curiosos se amontoavam na frente do prédio, há alguns anos atrás esse caso tinha sido o assunto quente das conversas de maricotas e botequins: mas você viu o que aconteceu com a fulana? O Agenor caiu no mundo com a beltrana!


Soltando Agenor (que não pôde conter um suspiro de alívio, não se sabe até hoje se pelo perdão conseguido ou porque o abraço o sufocava), Dona Amanda voltou-se para a janela. Solenemente diante do público fechou as persianas: agora era só ele e ela.


(Antonia Faro - janeiro de 2012)