terça-feira, 27 de março de 2012

quando a verdadeira voz da razão fala

"O que ocorrer com a Terra, recairá sobre os filhos da Terra. Há uma ligação em tudo"


Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los?

Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho.

Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela Terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da Terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do potro, e o homem - todos pertencem à mesma família.

Portanto, quando o Grande Chefe de Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós. O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil. Esta terra é sagrada para nós.

Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar as suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais.

Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicam a qualquer irmão.

Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção da terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou enfeites coloridos. Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.

Eu não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não compreenda.

Não há um lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez seja porque sou um selvagem e não compreendo. O ruído parece somente insultar os ouvidos. E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, e o próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.

O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro - o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda a vida que mantém. O vento que deu a nosso avô seu primeiro inspirar também recebe seu último suspiro. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la intacta e sagrada, como um lugar onde até mesmo o homem branco possa ir saborear o vento açucarado pelas flores dos prados.

Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como seus irmãos.

Sou um selvagem e não compreendo nenhuma outra forma de agir. Vi um milhar de búfalos apodrecerem na planície, abandonados pelo homem branco que os alvejou de um trem ao passar. Eu sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecer vivos.

O que é o homem sem os animais? Se todos os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontecerá com o homem. Há uma ligação em tudo.

Vocês devem ensinar as suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem as suas crianças o que ensinamos às nossas: que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à Terra, acontecerá aos filhos da Terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos.

Isto sabemos: a Terra não pertence ao homem; o homem pertence à Terra. Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo. O que ocorrer com a Terra recairá sobre os filhos da Terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo. Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos - e o homem branco poderá vir a descobrir um dia: nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês podem pensar que O possuem, como desejam possuir nossa terra; mas não é possível. Ele é o Deus do homem, e Sua compaixão é igual para o homem vermelho e para o homem branco. A Terra lhe é preciosa, e feri-la é desprezar seu criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo que todas as outras tribos. Contaminem suas camas, e uma noite serão sufocados pelos próprios dejetos.

Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente iluminados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão especial lhes deu domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios sejam domados, os recantos secretos da floresta densa impregnados do cheiro de muitos homens, e a visão dos morros obstruída por fios que falam. Onde está o arvoredo? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. É o final da vida e o começo da sobrevivência.


Carta que o chefe indígena Seattle escreveu ao presidente dos EUA em 1850, quando o governo norte-americano propôs comprar as terras de seu povo.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

História com mulher na janela


Nenhuma nuvem no céu e uma mulher na janela. Em quantos poemas, canções e prosas inspiradas surge essa mulher na janela... Mas essa que observo não é a mesma que evoca a beleza de Vênus e deixa o poeta em prantos quando a deseja sua musa. É uma figura escura na janela de vidro quebrado e cortinas engorduradas do apartamento do primeiro andar do predinho da esquina. Ela definitivamente não é bela e tem em seu olhar astúcias e melancolias de quem sobrevive ao dia-a-dia que não é mole.


Certo dia, essa mulher estava na mesma janela e seus olhos cruzaram com os de um lindo rapaz de cabelos ondulados, camisa xadrez e mochila a tiracolo. "Um universitário!" - ela pensou, e sua imaginação preencheu-se de toda uma juventude em que ela teria estudado, tirado diploma, encontrado um lindo rapaz de cabelos ondulados, camisa xadrez e mochila a tiracolo. Era seu namorado.


Outro dia, da mesma janela, ela viu um homem que pensou ser um executivo. Falava vivamente ao telefone, em tom de voz tão claro que ela conseguia entender tudo o que ele dizia. Via-se que era alguém que levavam a sério. Em sua imaginação transformou-se em executiva e todos concordavam com o que ela dizia e faziam o que ela mandava.


Foram muitos dias na janela e cada dia ela se transformava em outra pessoa, com outros trabalhos, com outras idéias na cabeça, outras emoções e projetos. Foi freira, cachorro, menino com bicicleta, mendigo, perua, jornalista, professora, poeta…


Um dia, ela estava de costas para a janela e falava alto com um homem dentro do apartamento. O povo que olhava da rua garantia: era Agenor que havia voltado depois de anos de sumiço. Do fundo de sua vergonha saía uma voz fininha pedindo perdão. Estava no fundo do poço, era um fiapo humano de dar dó. Por um tempo ela se impôs, era uma mulher grande que ficava ainda maior de costas, e sua voz era firme, grave. Definitiva.


Não sei se foi a lembrança do amor, sua súplica ou sua argumentação. Sei que ela foi amansando e o perdão veio com um abraço apertado que fez o pequeno Agenor sumir da vista de quem acompanhava a cena da rua. Os curiosos se amontoavam na frente do prédio, há alguns anos atrás esse caso tinha sido o assunto quente das conversas de maricotas e botequins: mas você viu o que aconteceu com a fulana? O Agenor caiu no mundo com a beltrana!


Soltando Agenor (que não pôde conter um suspiro de alívio, não se sabe até hoje se pelo perdão conseguido ou porque o abraço o sufocava), Dona Amanda voltou-se para a janela. Solenemente diante do público fechou as persianas: agora era só ele e ela.


(Antonia Faro - janeiro de 2012)


sexta-feira, 2 de dezembro de 2011



"A amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro." (Platão)

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Não tenho bens de acontecimentos.
O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo:
- Imagens são palavras que nos faltaram.
- Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.
- Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.
Ai frases de pensar!
Pensar é uma pedreira. Estou sendo.
Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo)
Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos.
Outras de palavras.
Poetas e tontos se compõem com palavras.


Manoel de Barros

de O Guardador de Águas

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Venha conhecer a livraria mais bonita da cidade!

A Livraria Aurums é uma charmosa e aconchegante livraria situada em Barão Geraldo, no Espaço Cultural Ungambikkula. Além de títulos selecionados de autores e editoras de renomada qualidade, como Cia das Letras, Pensamento e Cosac e Naif, nosso acervo conta também com preciosas edições de pequenas e boas editoras - como Ofício e Roda e Cia- com itens cuidadosamente garimpados, reforçando nosso compromisso com a divulgação de bons trabalhos editoriais e novos autores. A Livraria Aurums promove, juntamente com o Walakkhilya Kafé, o Kafé e Poesia, chamando novos poetas e escritores, declamadores e artistas a mostrarem seus trabalhos e outros eventos literários, como feiras e lançamentos, com programação e descontos especiais.


Venha conhecer a livraria mais bonita de Barão Geraldo e bater um papo conosco!